BEZERRA NETO - Jornalista e escritor
"Cara de caneca
amassada”
O vendedor ambulante passava todos os dias e à mesma hora com o seu tabuleiro de quebra-queixo, vendendo o produto que prepara a noite para vender durante o dia:
- “Ô o quebra-queixo docinho, docinho”!... – Ganhou o incômodo apelido de “cara
de caneca amassada” depois que, num assalto sofrido na mocidade, os bandidos
tomaram-lhe o dinheiro, o tabuleiro e ainda lhe achataram a cara, inclusive
desfigurando-lhe o nariz. E, durante quase trinta anos ele conviveu com essa
alcunha infame, suportando tudo na maior calma e tolerância, não deixando que
isso afetasse o seu negócio. Levava na ‘esportiva’ o achincalhe da meninada e
até passou a observar que as vendas cresceram nos últimos anos justamente em
razão do malfadado apelido, que o tornou mais conhecido. Portanto, não ia deixar que a brincadeira dos
meninos viesse interferir no seu pequeno comércio de quebra-queixo, com o qual
sustentava a família. Passou em suportar tudo com moderação, não partindo para a revanche de se atritar com seus fregueses.
Mas, num desses dias, eis que o pobre homem ‘perde a cabeça’ e o bom senso, por não aguentar mais ser tratado pejorativamente de "cara de caneca amassada". E, irrefletidamente, arremessou
uma pedrada contra um de seus detratores, ferindo-o mortalmente. Foi preso e
encarcerado, sofria e maldezia a sorte de não poder pagar um bom advogado para representá-lo no processo que corria na justiça. Por outro lado, seu negócio de vender quebra-queixo
ia por água abaixo e, assim, a mulher e filhos, já estavam sofrendo com a falta
de dinheiro: aluguel de casa atrasado, água, luz e algumas prestações... Foi,
então, que um jovem estando para se formar em direito, tendo que representar um
réu em causa pública, o procurou na intenção de defendê-lo no Tribunal do Júri.
Aí, com a garantia de ter agora um defensor sem pagar nada, o prisioneiro se
alegrou e se preparou para enfrentar os trâmites da justiça e esperar pela sua
absolvição, apoiando-se na fé que tinha em Deus.
A
aristocrática família do jovem formando se esmerava ao receber seus convidados,
com solene recepção, estando tudo preparado para o momento da investidura do recém
formado bacharel; ele havia concluído os estudos pela Universidade de Harvard e
seu pai, milionário, tinha grandes planos para o futuro do filho. A sessão
começa; muita discussão em torno do polêmico “cara de caneca amassada”. No
arrazoado, o advogado usou de uma estratégia um pouco não convencional, mas que
deu certo. Andando com passos coordenados e lentos, foi até o Juiz –
“Meritíssimo doutor Juiz de Direito”! (pausa). Passeou calmamente até o Corpo
de Jurados e depois voltou ao Juiz: “Meritíssimo doutor Juiz de Direito”!
(pausa). Na terceira vez que quis usar desta manobra as pessoas já se entreolhavam
e remexiam-se nas cadeiras, se inquietando, percebendo que a atuação do
“eloquente” advogado ia ser um fiasco.
O
juiz, então, não aguentando o embaraço, “explodiu”: - Senhor advogado, o senhor
não tem argumento ou quer me aborrecer com essa argumentação fajuta de “Meritíssimo
Doutor Juiz de Direito”? No que o advogado arrematou, ganhando a platéia e,
conseqüentemente, a causa: - “senhores Jurados, viram que o doutor juiz, se
ofendeu com tratamento de “Meritíssimo Doutor Juiz de Direito” em apenas três
vezes que o tratei condignamente. Imaginem um homem que nunca freqüentou a escola,
agüentar por durante 30 anos a alcunha de “cara de caneca amassada”. Peço ao
nobre Corpo de Jurados que, sem delongas, absolva o meu cliente, que precisa
retomar à sua rotina de vendedor de quebra-queixo e tomar conta de sua família.
Os aplausos foram intensos e o homenageado contentou aos pais e convidados,
pela esplêndida vitória!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário